[Resenha] Se os tubarões fossem homens
Por Bertolt Brecht

- Título Original: If the sharks were men
- Gênero do Livro: Conto
- Editora: Olho de vidro
- Ano de Publicação: 2018
- Número de Páginas: 48
Para Brecht, pensar é um dos maiores prazeres do bicho-homem.
Hoje trago o livro Se os tubarões fossem homens, de Bertolt Brecht — um texto adaptado para crianças e jovens, mas recomendado a leitores de qualquer idade.
Se os tubarões fossem homens, certamente também fariam guerras entre si para conquistar gaiolas e peixinhos estrangeiros e obrigariam os seus próprios peixinhos a combater nessa guerras (p. 26).
Bertolt Brecht (1898-1956) foi um pensador, dramaturgo, poeta e contista alemão que usava sua obra para expressar seu descontentamento com a realidade social, como vemos no texto de que falo aqui.
Escrito originalmente para adultos, Se os tubarões fossem homens ganhou ilustrações de Nelson Cruz na versão publicada no Brasil — ilustrações que nos chocam ao mostrar os tubarões assumindo as atitudes e as expressões mais assustadoras dos seres humanos.
A história começa com uma pergunta da filha pequena da dona da hospedaria ao senhor K:
‘Se os tubarões fossem homens, será que eles seriam mais gentis com os peixinhos?’ […] (p. 10).
O senhor K. responde que sim e apresenta à menina diversas situações nas quais os tubarões, se fossem homens, tratariam os peixinhos com bondade.
‘Se os tubarões fossem homens, mandariam construir para os peixinhos enormes gaiolas no mar, que seriam abastecidas com toda sorte de alimentos, tanto vegetais como animais (p. 10).
É óbvio que as hipóteses levantadas pelo senhor K. não passam de ironia. Os tubarões-homens se mostram cruéis, interesseiros, gananciosos, manipuladores e autoritários, como só os humanos podem ser.
O discurso do senhor K., portanto, é uma crítica à organização social; à obsessão dos seres humanos por dominar os demais (justamente os mais fracos); ao caráter alienante das instituições da nossa sociedade (escola, religião etc.).
Haveria também uma religião se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos só começa na barriga dos tubarões (p. 36).
Por essa temática tão séria, é possível que muitos adultos julguem esse livro inadequado para crianças. “Elas não entendem ironia”, eles poderão dizer. Mas, como venho defendendo aqui, as crianças são capazes de muito mais do que imaginamos.
As crianças (e os adultos) também podem contar com a ajuda das ilustrações, que fazem um contraponto interessante com o texto, revelando a real intenção do escritor, como se vê, por exemplo, nas imagens a seguir, junto das quais se lê:
[Os tubarões] cuidariam para que nas gaiolas sempre tivesse água fresca e adotariam todo tipo de medidas sanitárias (p. 15).
Além disso, mesmo que a criança não compreenda o sentido do texto de imediato, que mal pode fazer o contato com o livro? Aliás, como as obras literárias apresentam multissignificados, os jovens (e os experientes) leitores podem construir o seu próprio significado, e esse texto pode auxiliar a formar o pensamento crítico.
É claro que essa construção leva tempo e necessita de diversas leituras e releituras. Mas quem disse que as crianças não podem ler, reler e ler o livro outra vez? Não só elas. Nós, adultos, também precisaremos voltar ao texto inúmeras vezes para alcançar toda a riqueza guardada nessas 48 páginas. Há muito o que analisar e apreciar em cada um dos parágrafos e em cada uma das ilustrações. Há uma diversidade de maneiras de interpretar essa obra, e esta que apresento aqui é apenas uma delas.
Por outro lado, não me surpreendei se, a qualquer momento, vir a imagem da capa desse livro circulando pelas redes sociais com um aviso sobre seu perigo ou com uma tentativa de censurá-lo, pois ele mexe em estruturas que muita gente deseja preservar. Para isso, essa gente faz até as outras pessoas acreditarem que não podem questionar.
Enquanto escrevia sobre esse livro, veio à minha mente que não poderia haver melhor alegoria para criticar as relações sociais. Afinal, o que não falta por aí são tubarões se fingindo de amigos de peixinhos, fazendo-os acreditarem que também são tubarões. Com essa visão distorcida da realidade, os peixes aprendem a engolir os outros peixinhos e a nadar docilmente para dentro da boca dos tubarões.
penas quando somos instruídos pela realidade é que podemos mudá-la”. Os dizeres são do dramaturgo alemão Berltold Brecht, considerado mundialmente um dos maiores pensadores do século 20. Conhecido por sua contribuição ao teatro e à literatura adulta, Brecht escreveu também para crianças, você sabia? Nos seus últimos trinta anos de vida, Brecht dedicou-se à escrita de mais de uma centena de pequenos textos. Um deles, “Se os tubarões fossem homens” acaba de virar livro ilustrado, editado pela editora Olho de Vidro e com prefácio da atriz Denise Fraga.
A edição merece um lugar cativo na estante dos pequenos não só pela riqueza das metáforas criadas pelas palavras duras e ao mesmo tempo poéticas de Brecht, mas também pela sensibilidade das ilustrações que ampliam e provocam o universo de significados do texto, assinadas por Nelson Cruz, um dos grandes nomes da ilustração de livros infantis no Brasil.

A fábula “Se os tubarões fossem homens”, escrita originalmente na década de 50 (Brecht dedicou os anos de 26 a 56 à escrita de textos curtos repletos de críticas sociais), faz parte do livro “Histórias do Sr. Keuner” (publicado na Alemanha pela primeira vez em 2004, e no Brasil em 2006, pela editora 34) e curiosamente funciona como uma alegoria dos tempos atuais, pois reflete sobre a organização social do mundo e suas consequências. No texto, o personagem Sr. Keuner é o interlocutor de uma criança que quer saber como o mundo seria se – como diz o título -, os tubarões fossem homens.
A partir daí, algumas perguntas surgem: por que existem peixes pequenos e peixes grandes? Qual a relação entre os tubarões e os outros peixes? Peixes pequenos podem se tornar peixes grandes? Com um misto de lirismo e ironia, o texto vai conduzindo o leitor por essas grandes questões da vida humana.
Como um filósofo, Sr. Keuner reflete então sobre como funciona o mundo dos homens e o dos animais, oferecendo uma perspectiva sobre os problemas que afligem os seres humanos. O resultado é um retrato atual da sociedade, com suas fragilidades, paradoxos e desigualdades.
“Se os tubarões fossem homens, será que eles seriam mais gentis com os peixinhos?”
Com sutileza na forma de narrar, a ilustração de Nelson Cruz amplia a história, e mostra a crueza que pode haver no mundo em imagens que subvertem e por vezes contradizem o que é contado nas palavras. Chama atenção nas ilustrações os dentes afiados dos tubarões sempre prontos para atacar, enquanto, no texto, predomina um tom de ironia crítica, quando o autor sugere que os peixes pequenos devem conservar sua docilidade.
“Se os tubarões fossem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para os peixes pequenos, com todo tipo de alimento, tanto animal como vegetal. Cuidariam para que as gaiolas tivessem sempre água fresca, e tomariam toda espécie de medidas sanitárias”, diz um trecho.
“Se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, então lhe fariam imediatamente um curativo, para que ele não lhes morresse antes do tempo”
Tubarões Fossem Homens é uma fábula de Bertolt Brecht que reflete sobre a organização social, os valores éticos e as relações de poder. O livro é uma crítica ao capitalismo e à exploração.
- A história imagina um mundo onde os tubarões educam os peixes pequenos para servirem aos seus interesses.
- A obra aborda como a cultura e a religião podem ser usadas para justificar e perpetuar a opressão.
- O livro questiona a necessidade de resistência em um sistema opressor.
- As ilustrações de Nelson Cruz dão potência visual ao livro e sugerem uma resistência.
- Os desenhos de Nelson Cruz são realmente muito bons e são eles que falam de (mais) perto às crianças.
- O livro é uma fábula moderna com pitadas de ironia e irreverência.
- A obra reflete sobre problemas sociais com a delicadeza de um 'era uma vez'.
- A obra mexe em estruturas que muita gente deseja preservar.
- A obra é uma alegoria para criticar as relações sociais.
Nenhum comentário
O seu comentário alegra o nosso dia!!!