A gigantesca barba do mal

 Na ilha de Aqui tudo Ă© meticulosamente organizado e certinho. As ruas sĂ£o asseadas, a grama Ă© bem aparada e os homens sĂ£o rigorosamente barbeados. Dave nĂ£o foge Ă  regra. Tem um emprego que lhe permite pĂ´r em prĂ¡tica todo o seu senso de organizaĂ§Ă£o, bem como distrair a mente de pensamentos indesejĂ¡veis, e encontra paz numa rotina totalmente ordeira.


Num dia fatĂ­dico, porĂ©m, Dave se vĂª como a raiz de um gigantesco problema: uma barba que irrompe de seus poros e desafia a lĂ³gica e a ciĂªncia. Logo ela se tornarĂ¡ uma questĂ£o de segurança pĂºblica e irĂ¡ abalar as estruturas de Aqui, figurativa e literalmente. Uma fĂ¡bula arrojada, que faz lembrar Roald Dahl e convida a refletir sobre algumas das questões humanas deste sĂ©culo.


gigantesca barba do malStephen Collins


Em A Gigantesca Barba do Mal, de Stephen Collins, a temĂ¡tica Ă© justamente como a lĂ³gica e o extremamente sistemĂ¡tico encobrem um mundo de caos que estĂ¡ prestes e pronto a emergir de forma gritante e absurda. A temĂ¡tica Ă© sobre Dave, uma pessoa normal em meio a uma sociedade totalmente organizada e padronizada, tudo funciona como deveria funcionar. AtĂ© o momento em que a barba de Dave começa a crescer de forma monstruosa e incontrolĂ¡vel, trazendo a desorganizaĂ§Ă£o e o caos para o antes mundo perfeito. Parece simples, mas a forma como o autor trata o tema e os seus desdobramentos Ă© impressionante.

Em primeiro lugar se destaca o extremismo da organizaĂ§Ă£o da sociedade, tudo obedece a uma lĂ³gica quase que geomĂ©trica, a arte do gibi deixa isso bem claro. Imagine como se tudo tivesse um lugar, a sua mĂ¡xima capacidade de extensĂ£o e o seu objetivo. Assim, era o “Aqui”. Exatamente, para deixar bem claro a dicotomia entre o organizado e o caos a sociedade fictĂ­cia em questĂ£o era uma ilha chamada de “Aqui”, sĂ­mbolo de organizaĂ§Ă£o, e o alĂ©m mar era o “LĂ¡”, sĂ­mbolo de caos e o que deveria ser evitado. Para tanto que as casas a beira mar eram viradas para o continente e nĂ£o existia portas ou janelas que proporcionassem vista para o mar. Curiosamente quanto mais prĂ³ximo do mar menor o seu valor de mercado. Em outras palavras, o mar e a desordem deveriam ser totalmente evitados.

Toda essa situaĂ§Ă£o muda a partir do momento em que a barba de Dave começa a crescer de forma rĂ¡pida e totalmente desproporcional, e para alĂ©m disso se tratava de uma barba que nĂ£o poderia ser aparada ou o seu crescimento parado. Essa situaĂ§Ă£o faz com o que o caos passe a surgir naquela sociedade aparentemente perfeita. O primeiro a sentir isso Ă© o prĂ³prio protagonista que perde o emprego e passa a nĂ£o ser aceito em alguns estabelecimentos comerciais. A situaĂ§Ă£o, e o tamanho da barba, chegam a se tornar problema de segurança nacional em que o governo passa a se preocupar e tem de resolver o problema.

PorĂ©m, o mais interessante sĂ£o os pontos que o autor trata a partir da barba. O primeiro deles Ă© a nĂ£o aceitaĂ§Ă£o do diferente, que passa a ser discriminado na sociedade por ostentar essa barba. Em que se pode perceber claramente a alusĂ£o a vĂ¡rios movimentos de contestaĂ§Ă£o a tudo aquilo que considerarem diferente ou errado. Chega ao ponto de cartazes de grupos polĂ­ticos e religiosos antibarba.

Mas tambĂ©m a visĂ£o do caos como algo bom. A partir do momento da existĂªncia da barba muitas pessoas passam a se questionar do ponto de vista estĂ©tico e resolvem mudar a sua aparĂªncia. Tudo bem que nĂ£o foi bem uma opĂ§Ă£o, mas elas mudam o visual e passam a gostar dessas mudanças.

TambĂ©m se deve notar a posterior incorporaĂ§Ă£o da barba como um aspecto mercadolĂ³gico, com o museu da barba com camisetas e souvenir para os consumidores. AlĂ©m de livros, documentĂ¡rios e filmes sobre o mesmo. É a clara percepĂ§Ă£o de que uma coisa que era mal vista, passa a ser aceita e atĂ© mesmo fruto de incorporaĂ§Ă£o comercial.

Isso tudo com a barba como sĂ­mbolo da transgressĂ£o, que mostra bem um aspecto da nossa prĂ³pria sociedade. A barba que era vista como coisa de gente contestadora, hoje em dia Ă© moda e existe atĂ© barboterapia, ou seja, foi assimilada pelo mercado.

Como uma aspecto importante da histĂ³ria a obsessĂ£o do protagonista pela mĂºsica eternal flame, da banda The Bangles cuja letra casa muito bem com a HQ e o clipe Ă© gravado a beira mar, uma clara alusĂ£o ao mar de “Aqui” e “LĂ¡”.

Enfim, obra mais que recomendada, que deve ser lida mais de uma vez, e que faz com que pensemos em muitos temas e na nossa prĂ³pria sociedade.



Tenho que assumir que A Gigantesca Barba do Mal foi a leitura recente que de longe mais gostei, nĂ£o poderia iniciar esta resenha sem antes dizer isso. Nessa graphic novel publicada aqui no Brasil pela editora Nemo, encontramos a histĂ³ria de pessoas que moram em uma ilha intitulada de Aqui.

E para os moradores de Aqui, basicamente tudo se resume a trĂªs coisas:
* Aqui (Ilha onde moram) – Lugar extremamente seguro e literalmente perfeito, onde tudo Ă© cuidadosamente limpo, organizado, certinho, rotineiro e padronizado.

* O Mar – O que separa Aqui de LĂ¡.

* LĂ¡ (AlĂ©m do Oceano) – O desconhecido, agente que perpetua o imaginarium dos moradores de Aqui como representaĂ§Ă£o da desordem e do chaos, o perigo de pisar fora da zona de conforto.

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Tudo na histĂ³ria ocorre em torno de Dave, morador de Aqui que possui um pelo no rosto. Pelo que em determinado momento começa a crescer sem parar, acabando com a ordem da sociedade de Aqui, assim se tornando um elemento de chaos (perturbando toda perfeiĂ§Ă£o e padronizaĂ§Ă£o).

Longe de ser infantil, a obra em si Ă© um prato cheio para reflexĂ£o e aberto a vĂ¡rias interpretações, uma vez que muitos elementos do livro possuem um grande peso metafĂ³rico e critico a nossa sociedade, como: o medo do novo e desconhecido, a repressĂ£o, a forma como agimos e reagimos ao diferente, como algo incomum Ă© englobado pela nossa rotina se tornando comum, entre muitas outras.

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Com certeza A Gigantesca Barba do Mal vale muito a pena de se lĂª, um quadrinho com um roteiro cativante e muito inteligente o qual vai envolvendo o leitor (Da para perceber o cuidado na criaĂ§Ă£o dos personagens, porĂ©m, sempre de forma natural e fluida). A arte Ă© simples e agradĂ¡vel, combina com o propĂ³sito narrativo permitindo entender o que se passa, apenas atravĂ©s da arte. A diagramaĂ§Ă£o dos quadros Ă© bem planejada, nĂ£o segue um padrĂ£o definido, ela alterna sempre em beneficio ao roteiro, oscilando em pĂ¡ginas inteiras e tamanhos diversos.

A graphic novel Ă© em papel pĂ³len (Ăºnico ponto negativo, devido ser demasiado transparente), tem capa cartonada fosca com orelhas e um formato 24 x 17, uma Ă³tima HQ!








HQ, 

Um comentĂ¡rio

  1. Faz anos que nĂ£o leio quadrinhos. E me fez lembrar de uma Ă©poca em que eu lia todos os quadrinhos que meu primo tinha.
    Beijos


    www.parafraseandocomvanessa.com.br

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