INTRODUĂ‡ĂƒO:
O Lado Oculto de Tudo
Qualquer pessoa que morasse nos Estados Unidos no
inĂcio da dĂ©cada de 90 e prestasse um mĂnimo de atenĂ§Ă£o aos jornais e
telejornais diĂ¡rios teria desculpas para viver morta de medo.
A vilĂ£ era a criminalidade, que vinha crescendo
incessantemente – um grĂ¡fico mostrando a escalada dos Ăndices de criminalidade
em qualquer cidade americana nas décadas anteriores assemelhava-se a uma
montanha – e agora parecia prenunciar o fim do mundo. Mortes causadas por armas
de fogo, intencionais ou nĂ£o, eram lugar-comum. O mesmo acontecia com o roubo
de carros, o trĂ¡fico de crack, os assaltos e os estupros. A violĂªncia
virara uma companheira funesta e constante. E a situaĂ§Ă£o estava prestes a
piorar. Piorar muito, afirmavam todos os especialistas.
A causa: o chamado superpredador. Na Ă©poca, sĂ³ se
falava nele. Andava nas capas das revistas semanais e nos gordos relatĂ³rios da
segurança pĂºblica. "Ele" era um adolescente magricela da cidade
grande, com uma arma barata na mĂ£o e muito Ă³dio no coraĂ§Ă£o. Havia milhares
deles, segundo se dizia, uma geraĂ§Ă£o de assassinos prontos a mergulhar o paĂs
no mais profundo caos.
Em 1995, o criminologista James Alan Fox elaborou
um relatĂ³rio para o Ministro da Justiça americano detalhando em cores sombrias
a escalada dos homicĂdios cometidos por adolescentes. Fox apresentou um cenĂ¡rio
otimista e outro pessimista. No otimista, a taxa de homicĂdios adolescentes
cresceria 15% na década seguinte; no pessimista, ele previa um crescimento de
mais que o dobro desse percentual. "A prĂ³xima onda de crimes serĂ¡ tĂ£o
terrĂvel", disse ele, "que nos farĂ¡ sentir saudades de 1995."
Outros criminologistas, cientistas polĂticos e
observadores igualmente bem-informados previam o mesmo futuro tenebroso,
incluindo-se nesse coro o Presidente Clinton. "Sabemos que dispomos de uns
seis anos para reverter a escalada do crime juvenil", disse Clinton,
"ou o nosso paĂs irĂ¡ mergulhar no caos e meus sucessores nĂ£o mais falarĂ£o
das grandes oportunidades da economia global, pois estarĂ£o tentando manter
vivos nas ruas os habitantes de nossas cidades." As apostas, nitidamente,
se concentravam nos criminosos.
EntĂ£o, em lugar de subir e de continuar subindo, os
Ăndices de criminalidade começaram a baixar. A baixar e a continuar baixando. A
queda da criminalidade surpreendeu em vĂ¡rios aspectos: foi ubĂqua, com os
Ăndices de todos os crimes caindo em todas as cidades do paĂs. Foi persistente,
caindo cada vez mais a cada ano. E foi totalmente inesperada – principalmente
para os especialistas que haviam predito precisamente o oposto.
O tamanho da virada foi impressionante. O Ăndice
dos crimes praticados por adolescentes, em vez de subir 100 por cento ou mesmo
os 15 por cento preconizados por James Alan Fox, caiu mais de 50% em cinco
anos. Em 2000, o Ăndice nacional de homicĂdios nos Estados Unidos havia atingido
seu nĂvel mais baixo em trinta e cinco anos e o mesmo acontecera com quase
todos os crimes, dos assaltos aos roubos de automĂ³vel.
Embora os especialistas nĂ£o houvessem antecipado a
queda da criminalidade – que, na verdade, jĂ¡ vinha ocorrendo Ă Ă©poca de suas
catastrĂ³ficas previsões -, eles se apressaram a explicĂ¡-la. De modo geral, as
teorias pareciam lĂ³gicas. A euforia econĂ´mica dos anos 90 ajudou a frear o
crime, concluiu-se. O mĂ©rito Ă© da proliferaĂ§Ă£o das leis de controle sobre as
armas, disseram eles, ou das inovadoras estratĂ©gias polĂticas adotadas em Nova
York, onde os crimes caĂram de 2.245 em 1990 para 596 em 2003.
Essas teorias nĂ£o eram apenas lĂ³gicas, mas tambĂ©m encorajadoras,
pois atribuĂam a queda da criminalidade a iniciativas humanas especĂficas e
recentes. Se o crime fora detido pelo controle sobre as armas, por estratégias
polĂticas inteligentes e empregos que pagavam melhor, o poder para neutralizar
os criminosos estivera ao nosso alcance o tempo todo. E voltaria a estar, caso
– Deus nos livre – a criminalidade voltasse a crescer com tanto fĂ´lego.
Essas teorias passaram, ao que tudo indica sem
questionamentos, da boca dos especialistas para os ouvidos dos jornalistas e,
daĂ, para a cabeça do pĂºblico. Em pouco tempo viraram senso comum.
SĂ³ havia um problema: nĂ£o estavam corretas.
Um outro fator em muito contribuiu para a
maciça queda da criminalidade nos anos 90. Ele adquirira forma mais de vinte
anos antes e tivera como protagonista uma jovem de Dallas chamada Norma
McCorvey.
Como o proverbial espirro dado num continente que
acaba causando um terremoto em outro, Norma McCorvey, sem querer, alterou
drasticamente o curso dos acontecimentos. Ela queria apenas fazer um aborto.
Aos 21 anos era pobre, alcoĂ³latra e usuĂ¡ria de drogas. Tinha baixa escolaridade
e nenhuma aptidĂ£o profissional. JĂ¡ entregara dois filhos Ă adoĂ§Ă£o e, em 1970,
se viu novamente grĂ¡vida. No Texas, como em quase todos os estados americanos
entĂ£o, o aborto era ilegal. A causa da jovem acabou encampada por gente mais
poderosa que ela, tornando-a autora de uma aĂ§Ă£o coletiva em prol da legalizaĂ§Ă£o
do aborto. O poder pĂºblico foi representado por Henry Wade, o Procurador-Geral
do Condado de Dallas. O caso acabou na Suprema Corte, sendo que, nessa Ă©poca,
Norma McCorvey jĂ¡ figurava na aĂ§Ă£o como Jane Roe. No dia 22 de janeiro de 1973,
o tribunal decidiu a favor da Srta. Roe, o que acarretou a legalizaĂ§Ă£o do
aborto em todo o paĂs. Naturalmente a essa altura jĂ¡ era tarde demais para a
Srta. McCorvey/Roe fazer um aborto. A criança havia nascido e sido adotada.
(Anos mais tarde, Norma McCorvey renunciou Ă sua antiga causa e se tornou uma
ativista prĂ³-vida).
Como, entĂ£o, Roe x Wade pode ter
contribuĂdo, uma geraĂ§Ă£o depois, para a maior queda da criminalidade na
histĂ³ria contemporĂ¢nea?
Acontece que, quando se trata de criminalidade, nem
todas as crianças nascem iguais. Ou mesmo parecidas. Décadas de estudo
demonstraram que uma criança nascida em um ambiente familiar adverso tem muito
mais probabilidade que outras de se tornar um bandido. E os milhões de mulheres
com mais probabilidade de fazer um aborto na esteira de Roe x Wade –
pobres, solteiras e adolescentes para as quais, no passado, os abortos ilegais
costumavam ser caros demais ou pouco acessĂveis – eram, em sua maioria,
exemplos rematados de adversidade, ou seja, precisamente as mulheres cujos
filhos, se nascidos, teriam mais probabilidade do que outras crianças de se
tornarem criminosos. Devido, contudo, ao caso Roe x Wade, essas crianças nĂ£o
nasceram. Esse processo famoso viria a produzir um efeito drĂ¡stico no futuro
distante: anos mais tarde, justamente quando essas crianças nĂ£o-nascidas
atingiriam a idade do crime, o Ăndice de criminalidade começou a despencar.
NĂ£o foi o controle sobre as armas nem uma economia
robusta ou as novas estratĂ©gias polĂticas o que finalmente reverteu a onda
americana de criminalidade, mas, entre outros, o fato de o nĂºmero de criminosos
potenciais ter minguado drasticamente.
Agora vejamos: quando os especialistas em queda de
criminalidade (os ex-profetas da catĂ¡strofe) apresentaram Ă mĂdia suas teorias,
quantas vezes a legalizaĂ§Ă£o do aborto foi mencionada?
Nenhuma.
Trata-se da tĂpica mistura de negĂ³cios e
companheirismo: vocĂª contrata um corretor para vender a sua casa.
Ele capta o charme do imĂ³vel, tira umas fotos, faz
a avaliaĂ§Ă£o, bola um anĂºncio sedutor, mostra o local como bom profissional,
negocia as ofertas e acompanha a venda atĂ© a escritura. LĂ³gico que Ă©
trabalhoso, mas ele estĂ¡ levando uma boa fatia do bolo. Na venda de uma casa de
300 mil dĂ³lares, a comissĂ£o habitual de 6% de corretagem chega a 18 mil
dĂ³lares. Dezoito mil Ă© um bocado de dinheiro, mas vocĂª sabe que, sozinho,
jamais teria vendido a casa por 300 mil dĂ³lares. O corretor soube – qual foi
mesmo a frase que ele usou? – "maximizar o valor do imĂ³vel". E
conseguiu um Ă³timo preço para vocĂª, nĂ£o foi?
NĂ£o foi?
Um corretor de imĂ³veis Ă© um especialista diferente
de um criminologista, mas tĂ£o especialista quanto esse Ăºltimo, ou seja, conhece
sua Ă¡rea de trabalho melhor do que o leigo em nome do qual atua. EstĂ¡ mais bem
informado sobre o valor da casa, sobre as condições do mercado imobiliĂ¡rio e
atĂ© quanto Ă s expectativas do comprador. VocĂª depende dele para esse tipo de
informaĂ§Ă£o. Foi por isso, aliĂ¡s, que contratou um especialista.
Ă€ medida que o mundo foi ficando mais
especializado, inĂºmeros desses especialistas se fizeram igualmente
indispensĂ¡veis. MĂ©dicos, advogados, empreiteiros, corretores de ações,
mecĂ¢nicos, estrategistas financeiros: todos eles dispõem de uma gigantesca
superioridade no capĂtulo "informações". E utilizam essa
superioridade para ajudar vocĂª, a pessoa que os contrata, conseguindo
precisamente o que vocĂª quer pelo melhor preço.
Certo?
Seria Ă³timo acreditar que sim, mas os especialistas
sĂ£o humanos e os seres humanos reagem a incentivos. Assim, o tratamento que
vocĂª vai receber de qualquer especialista depende de como os incentivos dele
funcionam. É possĂvel que funcionem a seu favor. Por exemplo: um estudo com os
mecĂ¢nicos da CalifĂ³rnia descobriu que eles cobravam pouco para regular os
carros para a vistoria obrigatĂ³ria. O motivo? MecĂ¢nicos camaradas sĂ£o
recompensados com a fidelidade do cliente. Mas casos hĂ¡ em que os incentivos do
especialista podem funcionar contra vocĂª. Um estudo mĂ©dico revelou que os
obstetras que atuam em Ă¡reas com Ăndices de nascimento em queda estĂ£o muito
mais propĂcios a realizar cesarianas do que os obstetras de Ă¡reas cujos Ăndices
de nascimento se encontram em ascensĂ£o. Infere-se daĂ que, quando o trabalho
escasseia, os médicos tentam impingir procedimentos mais caros.
Uma coisa Ă© especular sobre o abuso dos
especialistas, outra Ă© provar que ele existe. A melhor maneira de fazĂª-lo seria
comparar a forma como o especialista trata vocĂª com a forma como ele age quando
faz o mesmo serviço para si prĂ³prio. Infelizmente um cirurgiĂ£o nĂ£o opera a si
mesmo, e sua ficha mĂ©dica nĂ£o estĂ¡ aberta ao pĂºblico. TambĂ©m nĂ£o temos acesso
Ă s notas dos serviços que um mecĂ¢nico realiza no prĂ³prio carro.
As vendas de imĂ³veis, porĂ©m, estĂ£o sujeitas
ao escrutĂnio pĂºblico, e os corretores com freqĂ¼Ăªncia vendem suas prĂ³prias
casas. Um conjunto recente de dados abrangendo a venda de aproximadamente 100
mil casas nos arredores da cidade de Chicago mostra que mais de 3 mil delas
pertenciam aos prĂ³prios corretores.
Antes de mergulhar nos dados, vale a pena fazer uma
pergunta: qual Ă© o incentivo do corretor de imĂ³veis ao vender sua prĂ³pria casa?
É simples: conseguir o melhor negĂ³cio possĂvel. Supostamente esse tambĂ©m Ă© o
incentivo que move vocĂª quando se trata da venda da sua casa. Assim, Ă primeira
vista o seu incentivo e o do corretor estĂ£o em perfeita sintonia. Afinal, a
comissĂ£o que lhe cabe Ă© calculada sobre o preço de venda.
Quando falamos de incentivos, porém, as comissões
sĂ£o algo complicado. Em primeiro lugar, a taxa habitual de 6% de corretagem
costuma ser repartida entre o corretor do comprador e o do vendedor. Cada um
deles entrega a metade da sua parte Ă agĂªncia, o que significa que apenas 1.5%
do preço de venda entra, efetivamente, no bolso do corretor.
Por isso, pela venda da sua casa de 300 mil
dĂ³lares, o corretor abocanha, da comissĂ£o de 18 mil, nĂ£o mais que 4.500. Ainda
Ă© uma boa quantia, vocĂª diz. E se a casa, na verdade, valesse mais de 300 mil?
E se, com um pouquinho mais de esforço e paciĂªncia e alguns anĂºncios adicionais
nos jornais, ele pudesse conseguir 310 mil? Descontada a comissĂ£o, isso
significaria 9.400 dĂ³lares extras no seu bolso. SĂ³ que a parcela adicional no
bolso do corretor – o 1,5% lĂquido que lhe caberia sobre 10 mil dĂ³lares – seria
de meros US$150. Se o seu lucro chega a US$9.400 enquanto o dele nĂ£o passa de
US$150, talvez os incentivos de vocĂªs dois nĂ£o estejam tĂ£o sintonizados assim
(principalmente porque Ă© ele quem paga os anĂºncios e tem todo o trabalho). SerĂ¡
que o corretor estaria disposto a investir todo esse tempo, dinheiro e energia
extras em troca de mĂseros 150 dĂ³lares?
Existe uma maneira de descobrir: pesquisar a
diferença entre os dados de venda das casas que pertencem a corretores e os das
casas que eles vendem em nome de clientes. Utilizando os dados das vendas
daqueles 100 mil imĂ³veis de Chicago e respeitando todas as variĂ¡veis –
localizaĂ§Ă£o, idade e estado da casa, aparĂªncia etc. – verifica-se que um
corretor mantĂ©m sua prĂ³pria casa no mercado, em mĂ©dia, por um perĂodo 10 dias
maior e a vende por um preço 3% mais alto – ou seja, 10 mil dĂ³lares, no caso de
um imĂ³vel de 300 mil. Quando se trata da venda da prĂ³pria casa, um corretor
espera a melhor oferta; quando a casa Ă© do cliente, ele o estimula a aceitar a
primeira proposta decente que surgir. Como um corretor de ações almejando
comissões, o corretor quer fechar negĂ³cios. E rapidamente. Por que nĂ£o? A parte
que lhe cabe no caso de uma oferta melhor – US$150 – Ă© um incentivo por demais
insignificante para encorajĂ¡-lo a agir de outro modo.
De todos os truĂsmos relativos Ă polĂtica, um Ă©
considerado mais verdadeiro do que os demais: o dinheiro compra votos. Arnold
Schwarzenegger, Michael Bloomberg, Jon Corzine sĂ£o apenas alguns exemplos
chamativos recentes do truĂsmo na prĂ¡tica. (Esqueça, por um momento, os
exemplos contrĂ¡rios de Howard Dean, Steve Forbes, Michael Huffington e,
principalmente, Thomas Golisano, que nas Ăºltimas trĂªs campanhas eleitorais em
Nova York gastou 93 milhões do prĂ³prio bolso, conseguindo, respectivamente, 4,
8 e 14 por cento dos votos). A maioria das pessoas diria que o dinheiro exerce
uma influĂªncia exagerada nas eleições e que somas excessivas sĂ£o gastas nas
campanhas polĂticas.
É verdade que os dados eleitorais demonstram que o
candidato que gasta mais numa campanha costuma ganhar a eleiĂ§Ă£o. Mas serĂ¡ o
dinheiro a razĂ£o da vitĂ³ria?
Parece lĂ³gico pensar que sim, da mesma forma como
pareceu lĂ³gico creditar a reduĂ§Ă£o da criminalidade Ă euforia econĂ´mica dos anos
90. No entanto, apenas porque duas coisas sĂ£o correlatas isso nĂ£o implica em
que uma delas tenha como conseqĂ¼Ăªncia a outra. Uma correlaĂ§Ă£o aponta
simplesmente para a existĂªncia de uma relaĂ§Ă£o entre dois fatores – X e Y,
digamos –, mas nada revela sobre a direĂ§Ă£o dessa relaĂ§Ă£o. É possĂvel que X
dĂª causa a Y; tambĂ©m Ă© possĂvel que Y dĂª causa a X e pode
ocorrer que a causa tanto de X como de Y esteja em algum outro
fator, Z.
Reflitamos sobre tal correlaĂ§Ă£o: as cidades com
muitos homicĂdios tambĂ©m costumam ter muitos policiais. Tomemos agora a
correlaĂ§Ă£o polĂcia/homicĂdio numa dupla de cidades reais. Denver e Washington
tĂªm mais ou menos a mesma populaĂ§Ă£o – mas a força policial de Washington Ă©
quase trĂªs vezes maior do que a de Denver, e a capital tambĂ©m tem oito vezes
mais homicĂdios. A menos que vocĂª disponha de mais informações, porĂ©m, Ă©
difĂcil dizer qual Ă© a causa disso. Algum desavisado poderia examinar esses
nĂºmeros e concluir que esses policiais a mais sejam a razĂ£o do nĂºmero maior de
crimes. Esse raciocĂnio obtuso, que tem uma longa histĂ³ria, em geral produz uma
reaĂ§Ă£o obtusa, como na lenda do czar que foi informado de que a provĂncia com
maior incidĂªncia de doenças era tambĂ©m a que contava com mais mĂ©dicos. Sua
soluĂ§Ă£o? Mandou imediatamente fuzilar todos os mĂ©dicos.
Voltando Ă questĂ£o dos gastos de campanha: para
descobrir a relaĂ§Ă£o entre o dinheiro e as eleições, vale a pena considerar os
incentivos em jogo no financiamento de campanhas eleitorais. Digamos que vocĂª
seja o tipo de pessoa disposta a doar 1.000 dĂ³lares para um candidato. Essa
decisĂ£o ocorrerĂ¡, provavelmente, em uma destas duas situações: um pleito
apertado em que lhe pareça que o dinheiro possa influir no resultado, ou uma
eleiĂ§Ă£o em que um dos candidatos seja favorito absoluto e apeteça a vocĂª tirar
partido dessa glĂ³ria ou receber algo em troca no futuro. Com toda certeza, seu
dinheiro nĂ£o irĂ¡ para o azarĂ£o (basta perguntar a qualquer postulante Ă
presidĂªncia que fracasse inapelavelmente em Iowa e New Hampshire). Assim, os
favoritos e os candidatos Ă reeleiĂ§Ă£o levantam muito mais fundos do que os que
tĂªm menos chances de vencer. E quanto ao gasto desse dinheiro? Obviamente, os
favoritos e os candidatos Ă reeleiĂ§Ă£o dispõem de mais numerĂ¡rio, mas sĂ³ o
gastam quando se vĂªem diante de um risco real de derrota, pois que sentido faz
detonar uma poupança que poderĂ¡ ser mais Ăºtil no futuro, quando um adversĂ¡rio
mais forte aparecer?
Imaginemos agora dois candidatos: um
intrinsecamente atraente e outro nem tanto. O candidato atraente arrecada muito
mais dinheiro e vence com facilidade. Mas terĂ¡ sido o dinheiro o responsĂ¡vel
por lhe conseguir votos, ou terĂ¡ sido o seu charme o responsĂ¡vel pelos votos e
pelo dinheiro?
Eis uma pergunta crucial, mas muito difĂcil de
responder. Afinal, charme de candidato Ă© difĂcil de quantificar. Como
poderĂamos medi-lo?
Na verdade nĂ£o podemos, salvo em uma circunstĂ¢ncia
especial. A dica Ă© comparar um candidato a ... si prĂ³prio, ou seja, o Candidato
A de hoje provavelmente serĂ¡ igual ao Candidato A de daqui a dois ou quatro
anos. O mesmo se aplica ao Candidato B. Basta que o Candidato A dispute com o
Candidato B duas eleições consecutivas, porém gastando quantias diferentes em
cada uma delas. Nesse caso, sendo mais ou menos constante o charme do
candidato, poderĂamos medir o impacto do dinheiro.
Com efeito, os mesmos dois candidatos concorrem um contra
o outro em eleições consecutivas o tempo todo – para ser exato em quase mil
campanhas para o Congresso americano desde 1972. O que dizem os nĂºmeros nesses
casos?
Aqui estĂ¡ a surpresa: o volume de dinheiro gasto
pelos candidatos praticamente nĂ£o faz diferença. Um candidato vencedor
pode cortar pela metade seu gasto e perder apenas 1% dos votos. Enquanto isso,
um candidato derrotado que dobre seu gasto nĂ£o conseguirĂ¡ aumentar sua votaĂ§Ă£o
senĂ£o em percentual idĂªntico a esse. O que realmente faz a diferença quando se
trata de um polĂtico nĂ£o Ă© a quantia de dinheiro despendida; o que faz a
diferença Ă© quem ele Ă© (o mesmo pode ser dito – e serĂ¡, no capĂtulo 5 – a
respeito dos pais). Alguns polĂticos exercem uma atraĂ§Ă£o inerente sobre os
eleitores e outros, simplesmente, nĂ£o. E nĂ£o hĂ¡ nada que o dinheiro possa fazer
para reverter esse quadro (os Srs. Dean, Forbes, Huffington e Golisano, Ă©
lĂ³gico, jĂ¡ estĂ£o fartos de sabĂª-lo).
E quanto Ă outra metade do truĂsmo eleitoral – a de
que os fundos para financiamento de campanha sĂ£o obscenamente volumosos? Em um
tĂpico perĂodo eleitoral que inclua campanhas para a presidĂªncia, o Senado e a
CĂ¢mara, cerca de 1 bilhĂ£o de dĂ³lares Ă© gasto por ano – o que parece um bocado
de dinheiro, salvo se vocĂª comparar essa quantia a algo menos importante que
uma eleiĂ§Ă£o democrĂ¡tica.
Esse mesmo bilhĂ£o de dĂ³lares os americanos gastam,
por exemplo, anualmente com chicletes.
Este nĂ£o Ă© um livro sobre o preço do chiclete
versus gastos de campanha nem sobre corretores de imĂ³veis espertinhos ou o
impacto da legalizaĂ§Ă£o do aborto sobre a criminalidade. Ele decerto abordarĂ¡
tais cenĂ¡rios e dezenas de outros, da arte de ser pai Ă mecĂ¢nica da embromaĂ§Ă£o,
do funcionamento interno da Ku Klux Klan Ă discriminaĂ§Ă£o racial no programa de
tevĂª "The Weakest Link". O que este livro faz Ă© descamar
levemente a superfĂcie da vida moderna e descobrir o que acontece por debaixo
dela. Faremos um bocado de perguntas, algumas frĂvolas e outras envolvendo
questões cruciais. As respostas muitas vezes soarĂ£o estranhas, mas, em
retrospectiva, tambĂ©m bastante Ă³bvias. Buscaremos tais respostas nos dados –
sejam eles oriundos das notas dos alunos de escolas primĂ¡rias ou da estatĂstica
dos crimes cometidos em Nova York ou, ainda, do balanço financeiro de um
traficante de crack (vĂ¡rias vezes lançaremos mĂ£o de padrões presentes,
porĂ©m deixados de lado – como a esteira de fumaça que um aviĂ£o traça no cĂ©u –,
nesses dados). É bom e salutar opinar ou teorizar sobre determinado assunto,
como a humanidade tem o hĂ¡bito de fazer, mas quando o moralismo Ă© substituĂdo
por uma aceitaĂ§Ă£o honesta dos dados, o resultado costuma ser novo e
surpreendente.
PoderĂamos dizer que o moralismo representa a forma
como as pessoas gostariam que o mundo funcionasse, enquanto a Economia
representa a forma como ele realmente funciona. A Economia Ă©, acima de
tudo, uma ciĂªncia feita para medir. Possui um conjunto incrivelmente eficiente
e flexĂvel de ferramentas capaz de acessar de maneira confiĂ¡vel uma variedade
de informações a fim de identificar o efeito de qualquer fator isolado ou mesmo
o efeito integral. No final das contas, a "Economia" Ă© isso: uma
variedade de informações sobre empregos, imĂ³veis, finanças e investimentos. Mas
as ferramentas da Economia podem tambĂ©m ser utilizadas com relaĂ§Ă£o a temas mais...
Ora, mais interessantes.
Por isso este livro foi escrito a partir de uma
visĂ£o de mundo muito especĂfica, baseada em algumas idĂ©ias fundamentais:
Os incentivos sĂ£o a pedra de toque da vida moderna. EntendĂª-los – ou, na maior
parte das vezes, investigĂ¡-los – Ă© a chave para solucionar praticamente
qualquer enigma, dos crimes violentos à trapaça nos esportes ou ao namoro na
Internet.
O senso comum em geral estĂ¡ equivocado. NĂ£o havia escalada da
criminalidade nos anos 90, o dinheiro sozinho nĂ£o ganha eleições e – surpresa!
– ninguĂ©m jamais comprovou que ingerir oito copos d’Ă¡gua por dia faça bem Ă
saĂºde. O senso comum costuma ser mal fundamentado e muitĂssimo difĂcil de
investigar, mas isso nĂ£o Ă© impossĂvel.
Causas distantes e até mesmo sutis podem, muitas
vezes, provocar efeitos drĂ¡sticos. A soluĂ§Ă£o de um determinado enigma nem sempre
estĂ¡ diante dos nossos olhos. Norma McCorvey teve um impacto bem maior sobre a
criminalidade do que a combinaĂ§Ă£o de forças do controle de armas, da euforia
econĂ´mica e das estratĂ©gias policiais inovadoras. É possĂvel dizer o mesmo,
como veremos adiante, de um homem chamado Oscar Danilo Blandon, também
conhecido como Johnny Rei do Crack.
Os "especialistas" – dos criminologistas
aos corretores de imĂ³veis – usam suas informações privilegiadas em benefĂcio
prĂ³prio. No
entanto, eles podem ser vencidos em seu prĂ³prio jogo. AlĂ©m disso, com o advento
da Internet, sua superioridade em termos de informaĂ§Ă£o cada dia encolhe mais –
como comprova, entre outras coisas, a queda de preço dos caixões e dos seguros
de vida.
Saber o que medir e como medir faz o mundo parecer
muito menos complicado. Quando se aprende a examinar os dados de forma correta, Ă© possĂvel
explicar enigmas que do contrĂ¡rio pareceriam insolĂºveis, pois nada como o poder
dos nĂºmeros para remover camadas e camadas de desconhecimento e contradições.
Assim, a meta deste livro Ă© explorar o lado oculto
de... tudo. É possĂvel que seja atĂ© frustrante. HaverĂ¡ momentos em que a
sensaĂ§Ă£o serĂ¡ a de espiar o mundo atravĂ©s de um canudo ou a de visitar a sala
dos espelhos de um parque de diversões. A idĂ©ia, porĂ©m, Ă© buscar vĂ¡rios
cenĂ¡rios e examinĂ¡-los de uma maneira como poucas vezes se fez. Sob alguns
aspectos, esse é um tema estranho para um livro. A maioria deles se propõe a
apresentar um Ăºnico assunto, secamente expresso em uma frase ou duas, e depois
contar toda a histĂ³ria acerca do mesmo: a histĂ³ria do sal; a fragilidade da
democracia; o uso e o mau uso da pontuaĂ§Ă£o. Este livro nĂ£o tem um tema
unificador nesse sentido. Chegamos a pensar, durante uns cinco minutos, em
escrever um livro que girasse em torno de um Ăºnico tema – a teoria e a prĂ¡tica
da micro-economia aplicada, que tal? – mas optamos, em vez disso, por uma
espécie de caça-ao-tesouro. É certo que a nossa abordagem emprega as melhores
ferramentas de anĂ¡lise que a Economia tem a oferecer, mas tambĂ©m nos permite
acompanhar toda e qualquer curiosidade excĂªntrica que nos ocorra. DaĂ o nosso
campo de estudo inventado: Freak*onomia. As histĂ³rias
contadas aqui nĂ£o costumam fazem parte das aulas de Economia, mas talvez isso
mude no futuro. Como a ciĂªncia da Economia Ă©, em princĂpio, um conjunto de
ferramentas e nĂ£o uma matĂ©ria em si, nenhum tema, por mais alheio que lhe
pareça, deve ser considerado fora do seu alcance.
Vale a pena lembrar que Adam Smith, o fundador da
Economia clĂ¡ssica, foi, antes de tudo, um filĂ³sofo. Esforçou-se para ser um
moralista e, nesse processo, se tornou um economista. Quando publicou "A
Teoria dos Sentimentos Morais" em 1759, o capitalismo moderno dava seus
primeiros passos. Smith ficou fascinado com as mudanças radicais que essa nova
força acarretou, mas os nĂºmeros nĂ£o foram o Ăºnico foco do seu interesse. Ele
concentrou sua atenĂ§Ă£o no efeito humano, no fato de as forças econĂ´micas
estarem alterando profundamente a maneira de pensar e de agir de uma pessoa em
uma determinada situaĂ§Ă£o. O que levava alguĂ©m a trapacear ou a roubar enquanto
outro se abstinha de fazĂª-lo? Como a escolha - boa ou ruim - aparentemente
inofensiva de alguĂ©m afetava um grande nĂºmero de pessoas ao longo da corrente?
Na Ă©poca de Smith, o fenĂ´meno causa-efeito sofreu uma incrĂvel aceleraĂ§Ă£o; os
incentivos foram multiplicados por dez. A gravidade e o impacto dessas mudanças
foram tĂ£o avassaladores para os cidadĂ£os de entĂ£o quanto a gravidade e o
impacto da vida moderna o sĂ£o para nĂ³s atualmente.
O verdadeiro tĂ³pico de estudo de Smith era o
conflito entre o desejo individual e as normas sociais. O historiador econĂ´mico
Robert Heilbroner, escrevendo em The Wordly Philosophers, especulou
sobre como Smith fora capaz de separar os feitos do homem, uma criatura
auto-centrada, do grande plano moral em que atua. "Smith defendia que a
resposta estĂ¡ na nossa capacidade de nos colocarmos na posiĂ§Ă£o de um terceiro,
um observador imparcial", concluiu Heilbroner, "e dessa maneira
construir uma noĂ§Ă£o dos mĂ©ritos objetivos de uma questĂ£o."
Considere-se,
pois, leitor, na companhia de um terceiro – ou, se preferir, de dois terceiros
– ansioso para investigar os mĂ©ritos objetivos de questões interessantes. Tais
investigações costumam partir de uma pergunta simples nunca dantes formulada.
Por exemplo: o que os professores tĂªm em comum com os lutadores de sumĂ´?
Oi Adriana!
ResponderExcluirVou te ser sincera, estou com baita preguiça de ler tudo isso..
Vi que estĂ¡ lendo Pegasus, ainda espero ler um dia..
Beijos
@gil_esmalteira