Há um mistério que não entendo. Bem,
mistérios existem para não serem entendidos. Algumas livrarias são
bem-sucedidas, crescem, se modernizam. Quando há uma bienal, uma feira de
livros, uma festa literária, os auditórios enchem, as pessoas correm para ouvir
os escritores. Aí está a Flip com ingressos pagos e esgotados no primeiro dia,
aí está a Jornada de Passo Fundo que coloca 5 mil espectadores na platéia,
todos de boa formação, aí estão as feiras que se multiplicam pelo País com
auditórios lotados. Sexta-feira passada, na acolhedora 3ª Feira de Livros de
São Joaquim da Barra havia 600 pessoas no auditório, muitas delas em pé.
Editores, mídia e livreiros dizem que o mercado está em crise, livros não
vendem. Porém, grupos estrangeiros, como a Planeta, a Alfaguara, a Santillana
desembarcam no Brasil e compram editoras inteiras ou participações. Por quê?
Gostam de rasgar dinheiro? Não sei responder. A única coisa que imagino é: será
que o povo prefere ouvir os escritores, em lugar de ler?
Ana Maria Khalil tinha apenas 14 anos
quando estive pela primeira em São Joaquim da Barra falando na Feam. Não me
esqueço daquela noite, eram centenas de adolescentes na platéia e ao entrar me
senti popstar, eles aplaudiam, gritavam, pensei: devem querer que eu cante, mas
vou apenas falar de literatura. Como dominar um grupo dessa idade? Apavorado, comecei
e me acalmei, o silêncio foi absoluto, exceção feita a alguns trechos mais
bem-humorados, quando eles riam e voltavam a gritar. Porque aprendi uma coisa
importante nessas décadas todas, falando ao lado de Lygia Fagundes Telles, João
Antônio, Antônio Torres, Affonso Romano de Sant´Anna, Marina Colasanti, Alcione
Araújo, Ziraldo, Otto Lara Resende, Rubem Fonseca (ainda peguei a fase em que
ele nos acompanhava pelo País), Fernando Sabino e outros. Sim, literatura é
assunto sério, mas se você ali na frente for acadêmico, pernóstico, erudito,
distante, inacessível, dono da verdade, falando naquele tom enfadado de quem dá
uma aula para se livrar da incumbência, o recado não passa, a platéia boceja ou
vai embora, passa a achar livros um horror.
Reencontrei Ana Maria em São Joaquim na noite de sexta-feira passada, quando abri a Feira de Livros da cidade. Ainda interessada em livros e escritores. Agora, casada com Rodrigo, mãe de três filhos, exibe a mesma aparência juvenil, fresca, os olhos luminosos. Inacreditável, o tempo me pareceu paralisado e 20 anos se passaram. A Feira de Livros, a terceira promovida pela prefeita Maria Helena Borges Vannuchi (o sogro dela, Ivo, foi um professor ícone na região), é um projeto/sonho que vem crescendo. Como espaço é relativamente pequena, mas o auditório, em praça pública, confortável, abriga, já disse, até 600 pessoas e estava superlotado. Há quem fique de pé, outros preferem os bancos do jardim em torno, ouvem de longe, a feira envolve tudo e todos. Quando vi o bando de colegiais, pensei de novo: como será agora? Correu serenamente, a meninada bem preparada pelas professoras que mandaram ler textos dos autores visitantes e vão dar notas para redações sobre a Feira e o que observaram, captaram.
Reencontrei Ana Maria em São Joaquim na noite de sexta-feira passada, quando abri a Feira de Livros da cidade. Ainda interessada em livros e escritores. Agora, casada com Rodrigo, mãe de três filhos, exibe a mesma aparência juvenil, fresca, os olhos luminosos. Inacreditável, o tempo me pareceu paralisado e 20 anos se passaram. A Feira de Livros, a terceira promovida pela prefeita Maria Helena Borges Vannuchi (o sogro dela, Ivo, foi um professor ícone na região), é um projeto/sonho que vem crescendo. Como espaço é relativamente pequena, mas o auditório, em praça pública, confortável, abriga, já disse, até 600 pessoas e estava superlotado. Há quem fique de pé, outros preferem os bancos do jardim em torno, ouvem de longe, a feira envolve tudo e todos. Quando vi o bando de colegiais, pensei de novo: como será agora? Correu serenamente, a meninada bem preparada pelas professoras que mandaram ler textos dos autores visitantes e vão dar notas para redações sobre a Feira e o que observaram, captaram.
Ou seja, a Feira começou antes, continuará depois. Fomos lidos, ouvidos, seremos interpretados. Este é o verdadeiro trabalho, preparar cabeças, criar possíveis leitores. Boas professoras são essenciais. O modelo foi inspirado na tradicional Jornada de Literatura de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, um dos eventos mais bem organizados e de maior sucesso no Brasil. Lembrei-me da Jornada porque ela se abre daqui a duas semanas, quando completa 26 anos, sempre se expandindo. Trabalho assombroso. Dentro da Jornada cabem quatro Flips. A preparação se inicia meses antes e quando os inscritos, mais de 5 mil, chegam, estão afiados para ouvir e perguntar. Pena que dentro do próprio Rio Grande do Sul a Jornada não tenha encontrado apoio do governo. Será que Yeda Crusius (atenção, governadora, a senhora é pessoa estudada, sensível, olhe o que estão fazendo nos bastidores) sabe que o Conselho Estadual de Cultura, baseado no relatório de um amanuense burocrata, um certo Luis Paulo Faccioli (o que é, o que fez pela literatura, qual a sua contribuição?), recusou todo e qualquer auxílio financeiro (nem um centavo) a um evento esmagador, que é o maior das Américas no seu gênero? Curioso, gaúcho contra gaúcho.
Faccioli será maragato ou ximango?
Tristezas de um lado com a incompreensão
de uns, alegria do outro. A prefeitura de São Joaquim, 55 mil habitantes,
montou sua feira em grande estilo, levando, com dinheiro do município, vejam
só, escritores da Academia Brasileira de Letras, Ana Maria Machado e Moacyr
Scliar, um poeta e ensaísta do porte de Affonso Romano de Sant´Anna (amanhã),
outro que fascina a platéia quando fala, Frei Betto (hoje estará ali abordando
literatura e espiritualidade), um professor como o Pasquale Cipro Neto, que
mudou a maneira de ensinar a língua portuguesa. E ainda há a Sinfônica de
Ribeirão Preto, cinema na praça, teatro, bandas, shows, noites de autógrafos.
Estava passeando pela cidade, porque a sossegada São Joaquim (aqui ao meu lado
a história da cidade, escrita pelo Lúcio Falleiros), com suas lojas, seus
barbeiros, engraxates, pouquíssimos prédios (que alívio), me lembra a
Araraquara de onde parti. Não resisti, diante da Feira há uma casa da pamonha,
arrisquei e saí feliz, era fresca, saborosa, parecia de fazenda, creme de milho
puro, coisa que só existe no interior. Fiquei ali, pensando que se cada cidade
brasileira de porte médio realizasse sua feira, o ambiente cultural mudaria.
Nelas se vê que livro está ligado a prazer, fantasia, conhecimento, e que
organizando um acontecimento, o povo responde. Todavia, São Joaquim foi uma surpresa
atrás da outra. Atravessava a praça, tive um encontro assombroso. Dei com José
Renato, assessor de Relações com a Comunidade, e organizador da Feira, seguido
pelo Dodô, tesoureiro da prefeitura. Estavam à minha procura pela cidade há
meia hora. Para me pagar! Acreditem! Num país em que todo mundo cancela, adia,
promete, não atende telefone, dá cheque para 60 dias, tem gente que nos procura
para pagar! Há esperança!
Nenhum comentário
O seu comentário alegra o nosso dia!!!